ONU aos 80 anos: crise financeira ameaça o futuro da cooperação internacional

Em 2025, a Organização das Nações Unidas (ONU) completa 80 anos de existência, carregando um legado de diplomacia, cooperação internacional, busca por soluções pacíficas para conflitos e algumas polêmicas. Criada em 1945, logo após a Segunda Guerra Mundial, a ONU nasceu com o objetivo de evitar que tragédias globais semelhantes voltassem a ocorrer, com a missão de promover o diálogo entre países, a proteção dos direitos humanos e a coordenação de esforços multilaterais para enfrentar desafios mundiais (um projeto ambicioso). No entanto, essa data simbólica é marcada não apenas por reflexões sobre conquistas e fracassos, mas também por um grave problema estrutural: um déficit financeiro sem precedentes, que ameaça a capacidade operacional da instituição.

António Guterres — 9º Secretário Geral da ONU

A ONU depende, em grande parte, das contribuições obrigatórias e voluntárias dos Estados-membros para manter seu funcionamento. Essas contribuições financiam desde suas sedes e agências especializadas até operações de manutenção da paz, missões humanitárias e programas de desenvolvimento. Contudo, há anos a organização enfrenta atrasos e reduções nos pagamentos de alguns de seus maiores contribuintes. O problema se agravou na última década, especialmente após decisões dos Estados Unidos — historicamente o maior financiador da ONU — de suspender ou cortar repasses para determinados órgãos e agências.

As ações políticas de Trump impactaram diretamente o orçamento das Nações Unidas

Um dos pontos mais críticos foi a decisão norte-americana de se retirar da Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2020, durante o governo Donald Trump. A alegação, à época, era de que a OMS teria agido de forma ineficaz e favorecido a China na gestão inicial da crise sanitária. Embora os Estados Unidos tenham retornado à OMS posteriormente, a instabilidade e a politização das contribuições geraram incertezas orçamentárias e prejudicaram a capacidade de resposta da entidade.

Outro golpe importante foi a saída dos Estados Unidos do Conselho de Direitos Humanos da ONU, também durante o governo Trump, em 2018. O argumento era de que o órgão apresentava um viés anti-Israel e incluía países acusados de graves violações de direitos humanos entre seus membros. Essa retirada representou não apenas uma perda financeira, mas também um abalo político, já que a ausência de Washington fragilizou a legitimidade e a influência do Conselho em questões globais. Apesar de o governo de Joe Biden ter retomado a participação norte-americana em 2021, as contribuições não voltaram a ser estáveis como antes, e o impacto acumulado ainda pesa sobre o orçamento da ONU.

Os Estados Unidos financiam cerca de 22% do orçamento da ONU

Esses episódios se somam a um cenário de crescente competição geopolítica e polarização internacional. Países que antes eram grandes financiadores, como Japão e algumas nações europeias, também têm enfrentado crises econômicas e pressões internas para reduzir gastos internacionais. Ao mesmo tempo, algumas potências emergentes, como China, Índia e Brasil, aumentaram seu peso político na ONU, mas ainda não igualaram proporcionalmente suas contribuições financeiras aos níveis dos países ocidentais tradicionais.

O resultado é que a ONU, em seus 80 anos, enfrenta um déficit financeiro crônico. Relatórios recentes apontam que muitas de suas agências operam com orçamentos reduzidos, forçando cortes em programas essenciais. Operações de paz em áreas como Mali, Sudão e República Democrática do Congo sofreram redução de tropas e recursos. Missões humanitárias no Iêmen, na Síria e em regiões da África Subsaariana tiveram de ser redimensionadas, apesar de as necessidades no terreno estarem aumentando devido a guerras, crises alimentares e mudanças climáticas.

A crise financeira também impacta a capacidade da ONU de recrutar e manter pessoal qualificado, além de dificultar investimentos em modernização tecnológica e infraestrutura. Para uma organização que atua em escala global, essa falta de recursos compromete a agilidade e a eficácia de sua resposta em situações emergenciais. Ademais, a instabilidade orçamentária fragiliza a credibilidade da ONU perante a comunidade internacional, alimentando discursos de que a instituição estaria ultrapassada ou ineficaz diante dos desafios contemporâneos.

Especialistas alertam que a solução para esse impasse não será simples. Alguns defendem reformas no sistema de financiamento, tornando-o menos dependente de poucos grandes contribuintes e mais diversificado entre os 193 Estados-membros. Outros sugerem ampliar parcerias com o setor privado e organizações filantrópicas, embora isso levante questões sobre independência e possíveis conflitos de interesse. Há ainda propostas de vincular parte do orçamento da ONU a mecanismos automáticos de arrecadação global, como taxas sobre transações financeiras internacionais ou sobre emissões de carbono. Mas nenhuma dessas propostas parece suficiente para substituir a dependência de contribuições dos Estados.

Ao completar 80 anos, a ONU se vê diante de um dilema existencial: ou encontra formas sustentáveis de garantir seu financiamento, ou corre o risco de ver sua relevância reduzida em um mundo cada vez mais multipolar e fragmentado. O déficit financeiro, agravado por decisões como as retiradas e cortes dos Estados Unidos em órgãos estratégicos como a OMS e o Conselho de Direitos Humanos, não é apenas um problema contábil, mas um sintoma das tensões políticas que desafiam a própria ideia de cooperação internacional. A forma como a organização e os países-membros enfrentarão esse desafio definirá, em grande parte, seu papel nas próximas décadas.

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