A Longa Tradição Russa de Investir em Submarinos

Entre todas as potências navais do mundo, poucas cultivaram uma relação tão profunda com os mares invisíveis quanto a Rússia. Desde o período imperial até os dias atuais, Moscou construiu uma tradição sólida de investir em submarinos — uma escolha estratégica que reflete tanto a geografia quanto a mentalidade militar do país. Se no auge da Guerra Fria a União Soviética chegou a deter a maior frota submarina do planeta, a Rússia atual, mesmo com uma marinha reduzida, ainda mantém sob as águas uma das principais forças nucleares do mundo.

As origens imperiais da ambição submarina

A história russa com submarinos remonta ao século XIX, ainda sob o Império dos Czares. O vasto território russo, com acesso limitado a mares quentes e portos livres de gelo, sempre impôs desafios à projeção naval do país. A frota russa tradicionalmente enfrentava dificuldades logísticas e tecnológicas para competir com potências marítimas como o Reino Unido ou a França.

Foi nesse contexto que o interesse pelos submarinos surgiu como alternativa. O primeiro protótipo russo conhecido, o Delfin (Golfinho), foi lançado em 1904, durante o reinado de Nicolau II, e logo participou da Guerra Russo-Japonesa (1904–1905). Embora a campanha tenha sido desastrosa para o Império Russo — com a perda da Frota do Báltico na Batalha de Tsushima —, a experiência marcou o início de uma compreensão estratégica: em vez de rivalizar abertamente com potências oceânicas, a Rússia poderia apostar em tecnologias assimétricas, como os submarinos, para equilibrar o jogo naval.

Delfin (Golfinho) — O primeiro protótipo de submarino russo conhecido

Durante a Primeira Guerra Mundial, o Império já contava com dezenas de submarinos operando no Báltico e no Mar Negro. Ainda que modestos, esses esforços consolidaram uma cultura técnico-militar voltada para a guerra submersa, que seria amplamente ampliada após a Revolução de 1917.

A Era Soviética e o auge da frota submarina

Com o nascimento da União Soviética, a estratégia naval ganhou nova dimensão. A doutrina soviética, voltada para a defesa territorial e a dissuasão estratégica, via os submarinos como instrumentos ideais: furtivos, letais e capazes de operar mesmo em condições climáticas adversas.

Durante a Segunda Guerra Mundial, os submarinos soviéticos desempenharam papel relevante no Mar Báltico e no Ártico, atacando comboios e dificultando a logística nazista. Mas foi no pós-guerra, com o início da Guerra Fria, que Moscou realmente consolidou sua supremacia submarina.

Nas décadas de 1960 e 1970, sob os governos de Nikita Khrushchov e Leonid Brejnev, a União Soviética investiu maciçamente na construção da maior frota submarina do mundo. O objetivo era claro: compensar a inferioridade em porta-aviões e frotas oceânicas com uma força submersa capaz de ameaçar diretamente os Estados Unidos e a OTAN.

A Marinha soviética chegou a operar mais de 300 submarinos, entre convencionais e nucleares, com dezenas de modelos diferentes — dos ágeis Kilo-class aos gigantescos Typhoon-class, os maiores submarinos já construídos. Esses colossos, com mais de 170 metros de comprimento, podiam transportar até 20 mísseis balísticos intercontinentais, cada um com múltiplas ogivas nucleares, representando a espinha dorsal da tríade nuclear soviética.

A corrida tecnológica com os Estados Unidos levou ao desenvolvimento de sistemas inovadores de propulsão nuclear, sonares avançados e silos de lançamento subaquático. O domínio soviético do Ártico e suas bases navais na península de Kola tornaram-se símbolos do poder submerso de Moscou.

Da dissolução à reinvenção

Com o colapso da União Soviética em 1991, a Marinha russa entrou em declínio. A falta de recursos, a perda de estaleiros em repúblicas recém-independentes e o abandono de programas militares deixaram dezenas de submarinos enferrujando em portos. Tragédias como o afundamento do submarino Kursk em 2000 simbolizaram o estado crítico da frota.

No entanto, a Rússia nunca abandonou sua vocação submarina. A partir dos anos 2000, sob Vladimir Putin, o país retomou gradualmente investimentos em novos modelos. Os projetos Borei-class e Yasen-class representam a nova geração de submarinos nucleares, combinando furtividade, capacidade de longo alcance e armamentos modernos, incluindo os mísseis balísticos intercontinentais Bulava.

Apesar da frota atual ser inferior a soviética em números, a Rússia se destaca entre potências navais do mundo

Atualmente, a Rússia mantém uma das maiores forças submarinas nucleares do planeta, embora bem menor que a soviética. Seu arsenal de submarinos estratégicos — cerca de uma dúzia em operação — é suficiente para garantir o princípio da dissuasão nuclear: mesmo sob ataque, o país teria meios para retaliar, preservando o equilíbrio global de poder.

Um poder menor, mas ainda formidável

Embora a frota atual seja apenas uma fração da soviética, a Rússia ainda figura entre as principais potências navais do mundo, ao lado dos Estados Unidos e da China. Seus submarinos nucleares continuam sendo pilares da segurança nacional e peças-chave na estratégia militar de Moscou, que prioriza a capacidade de ataque invisível sobre a projeção convencional de força.

A Rússia nunca abandonou sua vocação submarina

A tradição russa em investir em submarinos reflete mais do que uma preferência militar: é uma resposta histórica às limitações geográficas e econômicas de um império continental que sempre buscou poder nos mares e encontrou nos submarinos uma forma de equilibrar suas capacidades, frente ao poder das grandes potências navais do planeta.

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