Em 2024, durante um encontro entre Putin e Xi Jinping, o presidente chinês classificou a amizade entre Rússia e China como "inviolável". Isso poderia ser considerado apenas mais um discurso comum entre chefes de Estado, se não fosse o cenário atual em que ambos os países países parecem cada vez mais próximos geopoliticamente.
China e a Rússia compartilham diversos objetivos comuns no cenário global |
A China e a Rússia compartilham uma relação histórica complexa e diversificada, moldada por séculos de interação, interesses estratégicos comuns e dinâmicas de poder. Atualmente, a parceria sino-russa adquiriu uma relevância ainda mais especial no contexto do isolamento crescente da Rússia no cenário global, impulsionado por sanções dos países ocidentais após a invasão russa da Ucrânia.
Nesse cenário cada vez mais complexo, a China, como uma potência econômica e militar em ascensão, tem desempenhado um papel crucial na sustentação da economia russa e na relativa proteção da sua posição geopolítica.
Relações Históricas: O Império Russo e o Império Chinês
As interações entre a Rússia e a China remontam ao século XVII, quando os dois impérios compartilhavam uma longa fronteira na Ásia. O Tratado de Nerchinsk (1689) foi o primeiro acordo formal entre os dois países, estabelecendo limites territoriais e garantindo uma coexistência pacífica. O interessante é que esse acordo não só foi apenas o primeiro entre a China e a Rússia como também foi primeiro em que o chamado Império do Meio negociou em plano de igualdade com outro país, pois tradicionalmente os chineses não reconhecia a existência de nada que não fossem reinos vassalos.
A China e a Rússia compartilham uma relação histórica complexa |
Durante o século XIX, no entanto, as relações se tornaram tensas, com a Rússia expandindo seu território no Extremo Oriente às custas de áreas controladas pela dinastia Qing.
Apesar dessas disputas territoriais, os dois impérios compartilharam interesses comuns, particularmente em conter a influência de potências ocidentais na região. A cooperação inicial estabeleceu um precedente para a colaboração estratégica em situações de interesse mútuo.
A Relação entre a URSS e a China
Com a Revolução de 1917 e a fundação da União Soviética, as relações sino-russas passaram por uma transformação. Após a vitória dos comunistas na Guerra Civil Chinesa em 1949, liderados por Mao Zedong, a China e a URSS tornaram-se aliados próximos. A URSS forneceu assistência econômica, técnica e militar significativa para ajudar a reconstruir a economia chinesa e desenvolver sua infraestrutura.
No entanto, a aliança foi abalada durante a década de 1960 devido a divergências ideológicas e estratégicas. A rivalidade sino-soviética culminou em confrontos militares ao longo da fronteira comum em 1969, marcando uma ruptura na relação. Nos anos seguintes, tanto a URSS quanto a China buscaram equilibrar suas políticas externas, com a China se aproximando dos Estados Unidos como contrapeso à influência de Moscou.
A Parceria Sino-Russa no Século XXI
Com o colapso da União Soviética em 1991, a relação entre a Rússia e a China passou por uma reconfiguração. A Rússia, em busca de aliados e mercados após a transição caótica para o capitalismo, viu na China um parceiro promissor. Por outro lado, a China enxergou na Rússia uma fonte confiável de energia e tecnologia militar.
O século XXI marcou o início de uma nova fase de cooperação. Os dois países assinaram o Tratado de Boa Vizinhança, Amizade e Cooperação em 2001, estabelecendo as bases para uma parceria estratégica. Desde então, a China tornou-se um dos maiores compradores de petróleo e gás natural da Rússia, enquanto Moscou exporta armas e tecnologia militar avançada para Pequim.
O Isolamento Russo e o Papel da China
A invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022 resultou em sanções econômicas severas impostas pelos países ocidentais. Essas medidas incluíram o congelamento de ativos russos no exterior, a exclusão de bancos russos do sistema SWIFT e restrições à exportação de tecnologia. Esse isolamento forçou Moscou a buscar alternativas econômicas e diplomáticas, encontrando na China um aliado crucial.
A economia chinesa tem absorvido parte da produção energética russa |
A China ajudou a Rússia a contornar as sanções de várias maneiras:
- Comércio de Energia: A China aumentou significativamente suas importações de petróleo, gás e carvão russos, fornecendo à Rússia uma fonte vital de receita. Os dois países também têm trabalhado para substituir o dólar americano em transações comerciais, utilizando o yuan chinês e o rublo russo.
- Exportação de Bens: Empresas chinesas têm fornecido bens de consumo e tecnologia, incluindo eletrônicos e máquinas, que são difíceis de obter devido às sanções ocidentais.
- Infraestrutura Financeira: Bancos chineses desempenham um papel importante no processamento de pagamentos internacionais da Rússia, ajudando-a a mitigar os efeitos das restrições financeiras.
Importância Militar e Geopolítica
No campo militar, a cooperação sino-russa é igualmente importante. A Rússia continua a fornecer armamento avançado, incluindo sistemas de defesa aérea, submarinos e tecnologia aeroespacial, enquanto a China compartilha sua experiência em modernização tecnológica.
Além disso, ambos os países têm interesses comuns em enfraquecer a hegemonia ocidental e promover uma ordem mundial multipolar, fortalecendo a conveniência dessa parceria. Essa visão compartilhada fortalece sua aliança em fóruns internacionais, como o BRICS, a Organização de Cooperação de Xangai e até mesmo nas Nações Unidas, onde não é incomum ver ambos os países, que são membros do Conselho de Segurança, e possuem poder de veto, utilizarem esse poder para benefício recíproco.
Uma Aliança de Conveniência
Embora a parceria sino-russa tenha se fortalecido, ela não está isenta de desafios. A China é hoje a economia dominante na relação, e a Rússia desempenha um papel secundário, principalmente como fornecedora de recursos naturais e tecnologia militar. Essa assimetria pode criar tensões no longo prazo, especialmente se os interesses estratégicos de ambos divergirem.
Ainda assim, a relação entre a Rússia e a China é um dos exemplos mais marcantes de como dois países podem unir forças em busca de benefícios comuns. A China não apenas ajuda a Rússia a enfrentar seu isolamento, mas também se beneficia economicamente e estrategicamente dessa aliança, reafirmando seu papel como uma potência global e dificultando as ações de países contrários as suas políticas.
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