sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

O Desafio dos Governos Rebeldes

Estabelecer um governo rebelde é uma tarefa extremamente complexa, repleta de desafios políticos, sociais e econômicos. A Revolução Francesa, e a ascensão dos rebeldes sírios e afegãos expõe de muitas formas essas dificuldades. Nesse texto exploraremos as principais dificuldades enfrentadas por nações governadas por movimentos rebeldes vitoriosos. 

Dificuldades de Reconhecimento Internacional 


Embora seja comum que lideranças rebeldes façam discursos sobre a autonomia e soberania, minimizando a necessidade de reconhecimento exterior, a verdade é que sem apoio externo um governo rebelde não consegue legitimidade, acesso a comércio internacional, ajuda econômica ou apoio diplomático. Por exemplo, os rebeldes sírios, apesar de controlar vastas áreas do país em diferentes momentos da guerra civil, enfrentaram resistência significativa em obter reconhecimento como o governo legítimo da Síria. O regime de Bashar al-Assad, apoiado pela Rússia e pelo Irã, manteve sua posição nas Nações Unidas e continuou a ser reconhecido como o governo oficial da Síria, isolando os rebeldes no cenário internacional.

É relativamente comum que rebeldes enfrentem dificuldades para governar 


Após a ascensão e vitória sob o regime anterior, é provável que as potências que apoiavam o antigo rival, possam trabalhar contra o novo "governo rebelde", ou pelo menos dificultar sua legitimação. Apesar de não ser uma regra, podemos dizer que é uma dificuldade relativamente comum.  

E vamos para uma curiosidade interessante, poucas horas após a queda da capital, diversas embaixadas sírias trocaram a bandeira do antigo regime, pela nova bandeira revolucionária. 


Ações Radicais e Dúvidas sobre Credibilidade

Governos rebeldes frequentemente recorrem a ações radicais para manter o controle e combater opositores, o que pode minar sua credibilidade tanto internamente quanto internacionalmente. No Afeganistão, o Talibã, que retomou o poder em 2021, tem enfrentado desafios para governar efetivamente e ganhar aceitação internacional. Suas políticas radicais e práticas de governo têm levado a dúvidas significativas sobre sua capacidade de governar de maneira justa e eficiente. Sua história de repressão severa e violações dos direitos humanos criou um ambiente de desconfiança tanto dentro quanto fora do país.

Embora essas desconfianças tenham a tendência a diminuir com o tempo, a imagens ações passadas dificultam a aproximação de investidores mais tradicionais e governos, pelo menos nos primeiros anos, quando justamente o novo regime precisa de apoio para estabilizar a nação. 

Crises para Estabelecer uma Burocracia

Governos rebeldes muitas vezes lutam para estabelecer uma burocracia funcional, um problema que costuma ser potencializado pela fuga de funcionários do antigo governo. Estabelecer um sistema administrativo eficaz é vital para a governança, e a falta de experiência e recursos pode paralisar novos governos. No caso da Síria, muitos dos funcionários públicos e especialistas administrativos provavelmente fugiram do país ou se recusaram a trabalhar sob o novo regime rebelde, resultando em um vácuo administrativo. Esse vácuo torna difícil para os governos rebeldes fornecer serviços básicos e manter a ordem, o que pode levar à instabilidade e insatisfação popular.

Embora esse seja um assunto complexo, pode-se dizer que não é incomum que funcionários e especialistas em determinadas áreas fujam do novo governo justamente por sua relação suspeita com o regime anterior. 

Um desafio adicional é a persistência de lealdades ao antigo regime, que pode minar de alguma forma os esforços do novo governo rebelde. Normalmente essa resistência vem de burocratas ou mesmo pessoas comuns que de alguma forma simpatizavam com o regime anterior. Como exemplo podemos citar os alauítas na Síria, protegidos pelo Regime dos Assad, ou os católicos perseguidos pela liderança da Revolução Francesa


O Exemplo Francês 

A Revolução Francesa oferece um exemplo histórico das dificuldades de estabilizar um governo rebelde. Após a queda da monarquia e a ascensão dos revolucionários ao poder, a França mergulhou em um período de caos e terror. A luta pelo poder entre diferentes facções revolucionárias, como os jacobinos e girondinos, resultou em ações de força extrema e instabilidade política. A tentativa de estabelecer uma nova burocracia e governança foi marcada por execuções em massa e mudanças constantes de liderança, culminando no Reinado do Terror. Mesmo após a queda do Antigo Regime, a França enfrentou anos de conflitos e desafios para estabelecer um governo estável, culminando na ascensão de Napoleão Bonaparte, que literalmente governou com mão de ferro para colocar a "casa em ordem"

Napoleão Bonaparte restabeleceu a estabilidade na França através da força


No Brasil, o período posterior a proclamação da república, embora não seja um exemplo do que possamos chamar de uma "revolução", é um dos momentos mais sanguinários e complexos da história brasileira.

Marechal Floriano Peixoto foi o segundo presidente do Brasil republicano, e também segundo a chegar ao poder sem o voto popular. Floriano passou à história como o mais sanguinário dos presidentes da República. O “Marechal de Ferro”, como era chamado,  enfrentou protestos da oposição que não o aceitava como presidente. A oposição queria a convocação de novas eleições. Floriano, no entanto, reprimiu todos os protestos contra ele e contra a República.  Logo no início, adotou medidas para enfraquecer e combater os monarquistas. Muito sangue correu para abafar esses protestos. 

A Ilha de Florianópolis recebeu esse nome, justamente após a Revolução Federalista, um dos principais conflitos enfrentados, que ceifou a vida de cerca de 12.000 pessoas


Consequências Econômicas

As guerras e o conflitos devastam a economia de qualquer país, e governos rebeldes normalmente herdam economias em ruínas, um fator que complica ainda mais a estabilidade. A Síria, após anos de guerra civil, enfrenta uma devastação econômica sem precedentes, com infraestruturas destruídas, desemprego em massa e uma crise humanitária severa que gerou milhões de refugiados

Guerra Civil Síria gerou uma forte devastação econômica no país


O novo governo rebelde deve enfrentar o desafio colossal de tentar reconstruir a economia e fornecer alívio aos cidadãos. Isso se tudo der certo. Porque muitas vezes os recursos limitados aliados a uma burocracia dispersa, tornam praticamente impossível reestabelecer a ordem econômica no curto ou médio prazo. 


Estabelecimento de Legitimidade e Confiança

A legitimidade e a confiança são cruciais para qualquer governo. Governos rebeldes devem convencer a população de que são capazes de fornecer estabilidade e prosperidade, uma tarefa difícil em meio a memórias recentes de conflito e destruição. Estabelecer uma narrativa de legitimidade e ganhar a confiança pública exige tempo, sucesso tangível em políticas governamentais e uma abordagem inclusiva que considere as necessidades e desejos de diferentes grupos populacionais. O que é fácil em teoria, mas difícil na prática. 

Assim podemos presumir que a complexidade de estabelecer um governo rebelde está enraizada em vários fatores interligados: a falta de reconhecimento internacional, ações radicais que comprometem a credibilidade, dificuldades em formar uma burocracia eficaz, lealdades persistentes ao antigo regime, consequências econômicas devastadoras e o desafio contínuo de ganhar legitimidade e confiança. A ascensão dos rebeldes sírios, afegãos, juntamente com a experiência histórica da Revolução Francesa, ilustra claramente esses obstáculos.


Veja Também: O Desafio dos Governos Rebeldes



quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Israel e o fim do Regime de Assad

A Guerra de Israel contra os grupos apoiados pelo Irã teve um grande impacto no fim do regime de Bashar al-Assad na Síria. A queda de Assad, que parecia improvável, foi precipitada por uma série de eventos que culminaram na ofensiva dos rebeldes liderados pelo grupo militante islâmico Hayat Tahrir al-Sham (HTS). Este grupo, com raízes na Al-Qaeda, conseguiu tomar várias cidades estratégicas na Síria, incluindo Aleppo, Hama e Homs, isolando Damasco e eventualmente entrando na capital. 


Israel em Gaza e no Líbano

A guerra de Israel com o Hezbollah, uma milícia apoiada pelo Irã desempenhou um papel crucial. O Hezbollah, que forneceu apoio militar significativo a Assad, foi severamente enfraquecido após sua guerra contra Israel. Membros do grupo libanês combateram em diversas frentes a favor do Regime Sírio. O fato da Síria fazer fronteira com o Líbano facilitava o auxilio do grupo. O fim desse apoio deixou Assad sem um de seus principais aliados militares no momento crítico da imparável ofensiva rebelde.

guerra de Israel contra o Hezbollah afetou o Regime Assad


A ofensiva de Israel no Líbano contra o Hezbollah foi marcada por intensos bombardeios e confrontos. Israel lançou ataques aéreos em várias posições do grupo no sul do Líbano e em Beirute, visando centros de comando e fábricas de armas. A ofensiva foi uma resposta a ataques do Hezbollah, incluindo o lançamento de foguetes em direção ao norte de Israel. As ações do grupo se intensificaram após a entrada de forças israelenses em Gaza após os terríveis ataques de 7 de Outubro de 2023, quando membros do Hamas invadiram Israel cometendo diversos crimes e violações contra vítimas que em sua grande maioria eram civis desarmados e levando 251 de reféns de diversas nacionalidades. Israel imediatamente lançou uma contra ofensiva militar em Gaza, buscando recuperar sequestrados e destruir a organização que controla Gaza desde 2007.

A ofensiva de Israel visava enfraquecer o Hezbollah e garantir a segurança de suas fronteiras, o que gerou impactos sobre a população civil, e um resultado inesperado, o fim do Regime Sírio


Guerra contra o Regime

A guerra civil na Síria, que começou em 2011, foi marcada por uma repressão brutal de Assad contra protestos pacíficos, resultando em mais de meio milhão de mortes e milhões de refugiados. Com o apoio da Rússia e do Irã, Assad conseguiu esmagar os rebeldes e manter-se no poder por muitos anos. Após anos de conflito, o país estava dividido em diversas zonas de influencia militar, com Assad controlando a capital e outras importantes cidades reconquistadas. 

Guerra Civil na Síria começou em 2011, marcada por uma repressão brutal 


No entanto, tudo mudou após uma grande e repentina ofensiva recente ofensiva de rebeldes apoiados pela Turquia. Rússia e Irã, aliados do regime, preocupados com seus próprios assuntos, abandonaram Assad, deixando suas tropas incapazes de deter os rebeldes.

A Turquia, que apoia alguns dos rebeldes na Síria, desempenhou um papel importante. Embora tenha negado apoiar diretamente o HTS, o governo turco parece ser um dos principais apoiadores da ofensiva rebelde, contribuindo com apoio militar e de inteligência. Pelo menos três milhões de sírios estão na Turquia, e esta é uma questão sensível localmente.

A queda do regime de Assad também tem implicações significativas para o equilíbrio de poder na região. O Irã, que via a Síria como parte de sua conexão com o Hezbollah no Líbano, sofreu um revés significativo. A Síria sob Assad era fundamental para a transferência de armas e munições para o Hezbollah. Com a queda de Assad, o futuro do Hezbollah e de outras facções apoiadas pelo Irã, como os Houthis no Iêmen, tornou-se incerto.


Perspectivais Futuras

Este novo quadro cria uma situação complexa para Israel, onde o Irã é visto como uma ameaça existencial. A queda do Regime de Assad pode enfraquecer a os adversários apoiados pelo Regime de Teerã. Por outro lado, Israel atualmente ocupa as Colinas de Golã, um território conquistado da Síria durante a Guerra dos Seis Dias em 1967. A ascensão de um novo regime torna o futuro do país vizinho incerto. 



Podemos assim dizer que, Israel contribuiu indiretamente para o fim do regime de Assad ao enfraquecer um de seus principais aliados militares, o Hezbollah, e ao criar um vácuo de poder que permitiu aos rebeldes sírios lançar uma ofensiva bem-sucedida. A queda de Assad mudou dramaticamente o equilíbrio de poder na região, com implicações significativas para o Irã, o Hezbollah e outros grupos apoiados pelo Irã.


Veja Também: Israel e o Fim do Regime Síria



Postagens mais visitadas