sábado, 6 de julho de 2024

A Constituição da Mandioca e os Escravocratas

    A "Constituição da Mandioca" foi o nome que ficou comumente conhecido o projeto de constituição elaborado pela Assembleia Constituinte do Brasil em 1823. Esse documento é conhecido assim porque usava a mandioca como referência para a definição do censo eleitoral e dos cargos políticos. Esse período da história brasileira é marcado por intensas disputas entre diferentes grupos políticos e interesses, especialmente entre aqueles que defendiam a continuidade da escravidão e os que buscavam maior autonomia e direitos para os brasileiros.

constituição, embora liberal em vários artigos, favorecia os escravocratas


A Origem da Proposta

    Após a declaração de independência em 1822, o Brasil estava em busca de uma constituição que definisse as bases do novo país. A Assembleia Constituinte de 1823, convocada por Dom Pedro I, foi encarregada de elaborar esse documento. No entanto, as tensões entre brasileiros e portugueses continuaram a influenciar as políticas e as decisões tomadas nessa época.

A Constituição da Mandioca

    O nome "Constituição da Mandioca" deriva do fato de que a renda mínima exigida para que alguém pudesse votar ou se candidatar a um cargo político era calculada com base no valor da mandioca, um produto agrícola amplamente cultivado no Brasil. Esse critério de renda favorecia os grandes proprietários de terras, que tinham a maior parte de suas riquezas vinculadas à agricultura, especialmente ao cultivo de mandioca e outros produtos como café e açúcar.

    O esboço do projeto continha 272 artigos influenciados pelas ideias do Iluminismo, no tocante à soberania nacional e ao liberalismo econômico. Ele instituía o voto indireto censitário, em que os eleitores do primeiro grau (paróquia), tinham que provar uma renda mínima de 150 alqueires anuais de plantação de mandioca. Eles elegeriam os eleitores do segundo grau (província), que necessitavam de uma renda mínima de 250 alqueires. Estes últimos, elegeriam deputados e senadores, que precisavam de uma renda de 500 e 1000 alqueires respectivamente, para se candidatarem. Ou seja, não representava apenas a quantidade de terra do eleitor, mas também a quantidade de escravos que o mesmo possuía, visto que a mandioca e a farinha de mandioca eram os alimentos básicos dos escravos e trabalhadores rurais da época.

    Assim essa constituição, embora liberal em vários artigos, favorecia explicitamente os interesses dos grandes proprietários rurais e dos escravocratas. Estabelecia um censo eleitoral que excluía a maioria da população, incluindo escravos, libertos e trabalhadores assalariados sem propriedade significativa. Dessa forma, o poder político ficava concentrado nas mãos de uma elite agrária que dependia economicamente do trabalho escravo.

Benefícios para os Escravocratas

    A Constituição da Mandioca foi projetada para manter e fortalecer o controle da elite agrária sobre o sistema político brasileiro. Ao basear o direito de voto e a elegibilidade para cargos públicos na propriedade de terras e na produção agrícola, a constituição consolidava o poder dos grandes fazendeiros e proprietários de escravos. Isso garantiu que as leis e políticas aprovadas protegessem e perpetuassem o sistema escravocrata.

A Noite da Agonia

    Talvez um dos eventos mais controversos da historiografia brasileira, a "Noite da Agonia" aconteceu entre os dias 11 para 12 de novembro de 1823, quando Dom Pedro I, insatisfeito com a orientação liberal da Assembleia Constituinte e sua tentativa de limitar os poderes do imperador, ordenou que as tropas cercassem o prédio onde a Assembleia se reunia e dissolvessem a sessão. Muitos deputados foram presos ou exilados. Esse golpe de estado mostrou a determinação de Dom Pedro I em manter seu poder absoluto e sua desconfiança em relação às elites liberais que estavam começando a se formar no país.

Dom Pedro I dissolveu a Assembleia Constituinte em 1823


 Relação entre Brasileiros e Portugueses

    A tensão entre brasileiros nativos e portugueses residentes no Brasil (ou aqueles com fortes laços com Portugal) era intensa nesse período. Os brasileiros sentiam-se frequentemente marginalizados em relação aos portugueses, que ocupavam muitos dos postos administrativos e comerciais mais importantes. A independência não resolveu imediatamente essas tensões, pois muitos portugueses continuaram a ocupar posições de poder, e as elites brasileiras temiam que as mudanças propostas pela Assembleia Constituinte pudessem ameaçar sua posição.

Efeitos Indiretos sobre os Escravocratas

    Embora a Constituição da Mandioca fosse destinada a reforçar o poder dos escravocratas, sua adoção nunca ocorreu devido ao golpe de Dom Pedro I. No entanto, a crise que culminou na Noite da Agonia e a subsequente dissolução da Assembleia Constituinte geraram um período de instabilidade política que enfraqueceu o poder dos grandes proprietários de escravos. A intervenção de Dom Pedro I criou um ambiente de incerteza e contestação, permitindo que outros grupos e interesses políticos começassem a ganhar espaço no cenário nacional.

    Além disso, a dissolução da Assembleia Constituinte levou à criação de uma nova constituição em 1824, que, embora ainda conservadora, era menos explícita em sua defesa dos interesses dos escravocratas em comparação com a proposta da Constituição da Mandioca. Esse documento estabeleceu uma monarquia constitucional com um sistema político que permitia, embora limitadamente, alguma forma de participação política para uma gama mais ampla de indivíduos, enfraquecendo indiretamente a estrutura de poder exclusivamente agrária e escravocrata. 

A Escravidão só seria abolida em 13 de maio de 1888 (aproximadamente 66 anos
após a independência do Brasil)


    A Noite da Agonia e a subsequente instabilidade política revelaram as profundas divisões dentro da sociedade brasileira da  época, e as dificuldades em estabelecer um governo estável e representativo. Enquanto a Constituição da Mandioca foi projetada para beneficiar os escravocratas, a turbulência política que se seguiu acabou por enfraquecer sua posição de poder, abrindo caminho para novas formas de organização política e social no Brasil, embora não colocasse fim na escravidão. 


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